quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Algumas notas sobre Virginia Woolf e o seu livro "To the Lighthouse" ("Rumo ao Farol", publicado pela Relógio de Água)









Virginia Woolf nasce em 1882 e morre, suicida, em 1941.
Filha do filósofo Leslie Stephen, viúvo, e de Julia Jackson, viúva também, ambos ligados por razões diversas à literatura e a pessoas de cultura.
Por curiosidade: Stephen fora casado pela 1ª vez com uma filha do escritor Tackeray e, por sua vez, Julia, a mãe de Virginia, estivera muito ligada ao movimento cultural Pré-Rafaelita.
Virginia Woolf, desde miúda, teve acesso à biblioteca do Pai que lhe serviu de substituto à passagem pela universidade então negada às mulheres.

A mãe morre em 1895, quando tem 13 anos, e data desse ano o seu primeiro esgotamento nervoso.
A relação com o pai não é fácil: a surdez dele, a inclinação para a melancolia, os muitos desgostoe e lutos tornaram-no numa pessoa difícil, sujeita a excessos nervosos. 
Adoece em 1902 e morre em 1904.
Após a sua morte, Virginia tem outra problema de nervos, durante o qual “ouve” os pássaros cantar em grego –língua que conhece bastante bem, estudara-a no King's College de Londres e, mais tarde, com uma explicadora.
Quando cura essa depressão, muda-se com os irmãos e a irmã, Vanessa, para uma casa em Gordon Square, em Bloomsbury e aí se formará, mais tarde, o Grupo de Bloomsbury, como vai ser conhecido.
Falarei do grupo de outra vez.
Hoje gostaria de lembrar um pouco da vida e da obra de Virginia Woolf.


Desde muito cedo, considera-se escritora, e, em 1905, começa a escrever para o Times Literary Supplement.
No seu círculo de amigos giram nomes importantes de intelectuais como E.M. Forster, J.M.Keynes, Leonard Woolf, Roger Fry, Duncan Grant e muitos outros -com quem estabelece ligações de amizade. Em 1912, casa com Leonard Woolf.
Tinha nessa altura 30 anos e não publicara ainda nenhuma obra.


Sofre frequentemente de depressões, de anorexia, e, em 1913, depois de uma violenta crise, tenta suicidar-se. A saúde parece no entanto estabilizar-se em 1917.
Nessa altura, ela e o marido, instalam uma pequena impressora em Hogarth House, onde vivem, em Richmond.

Inicialmente, essa ideia fizera parte da "terapia" de Virginia, mas em breve se sente motivada para escrever. Na sua casa impressora, vai imprimir e a publicar os primeiros livros.
Começa a escrever Night and Day que acabará em 1918.

Em 1920 inicia Jacob’s Room e, quando terminado, publica-o na "Hoggarth House".

No ano seguinte escreve Mrs. Dalloway, (acabado em 1924) quando está já a trabalhar no livro To the Lighthouse, escrito entre momentos intermitentes da doença (publicado em 1927), e Orlando (história fantástica, "biografia" de um homem-mulher): Orlando, jovem inglês que nasce na Inglaterra da Idade Moderna, durante uma estadia na Turquia, simplesmente acorda mulher.
Livro cheio de imaginação e de humor, um dos grandes exemplares do modernismo inglês é, no fundo, uma homenagem à amizade amorosa que a liga, nos anos 20, a Vita Sackville-West, figura ambígua sexualmente. Escrito entre 1927-28, é publicado em Outubro de 28 e revela-se desde logo um sucesso.
The Waves foi escrito e reescrito entre 1930 e 31, publicado depois em Outubro desse ano.
Em 1932 sai Flush, a biography (história verdadeira do cãozinho da poetisa victoriana, Elizabeth Barrett Browning) e é um grande sucesso.

Segue-se a escrita do livro a que irá chamar The Years, no fundo uma breve história dos seus primeiros anos de casada.

Escreve também outros contos (The Common Reader e A Room of One’s Own) que são testemunhos bastante violentos, até hostis, contra o marido, Leonard Woolf.
No entanto há uma coisa de que ele não pode ser acusado: de intervir contra –ou prejudicar- a sua obra ou sua carreira literária.

O romance The Years revela-se difícil de acabar: foi escrito (re-escrito) pelo menos duas vezes. Só será publicado em 1937.
Entretanto, em 1934, morrera-lhe um dos grandes amigos, o pintor, Roger Fry.
Virginia decide escrever a biografia dele, mas a doença impede-a e tem de adiar esse projecto. Escreve Between the Acts.
O livro Roger Fry, a biography sai no terrível Verão de 1940.

Nesse Outono, muitas casas são bombardeadas no seu amado bairro de Bloomsbury, e a casa em que vivera é destruída, o que a atinge profundamente.
As condições mentais de Woolf deterioram-se e, em 28 de Março de 1941, incapaz de enfrentar nova crise, suicida-se, afogando-se no River Ouse.


O romance “Rumo ao Farol”

Dizia Virginia Woolf, no Diário, em 27/06/95:
“Estou a preparar To the Lighthouse, o mar deve ouvir-se sempre, ao longo do romance.”
O barulho do mar a que se refere era o das ondas do Atlântico, a quebrarem-se contra os rochedos da Cornualha -que Virginia Woolf recordava ao escrever a novela e que ressoariam em cada página.
De facto, todos os verões, de 1882 a 1894, os pais levavam os 4 filhos (dos anteriores casamentos), mais os 4 deles próprios, para Talland House.
Passavam todos as férias na pequena aldeia de pescadores de St Ives, na Cornualha. Essas estadias terminam abruptamente com a morte da mãe, em 1895, perda que vai ser um traumatismo emocional para Virginia. A primeira crise de nervos data, de facto, desse ano, pouco depois da morte de Julia.
Em 1904 morre Stella, a meia-irmã que ela adorava. Em 1904 é o pai que morre, seguido em 1906 pelo irmão mais velho Thoby.
Aos 24 anos Virginia talvez tivesse ainda muito que aprender sobre a arte de escrever, mas nada ignorava sobre o sofrimento humano.
"My lighthouse", o meu farol, como lhe chamava Virginia Woolf, brilhava todas as noites através das janelas de Talland House, mesmo em frente, do outro lado da Baía de St Ives ( no romance, a Ilha Skye) é a recordação da pena, da dor e da fixação aos pais mortos- criada nesses treze verões da sua vida que considera "o melhor começo de vida possível"...
No livro, “Moments of being” (Momentos de ser), confessa:
Com a morte da mãe a alegre e despreocupada vida de família que ela tinha criado, fecha-se para sempre. Em todos os lugares poisa sobre nós uma nuvem negra, estamos sentados tristes, solenes, irreais, debaixo da névoa de uma pesada emoção.” (citado por David Bradshaw, na Introdução da edição inglesa, da Oxford University Press, de “To the Lighthouse").
Anos mais tarde, em 1905, ela e os irmãos voltam a St Ives, à casa de Talland House.
Passam perto da casa, as janelas estão iluminadas, há gente lá dentro. Fogem com medo de quebrar o encanto daquela memória feliz.
Diz Virgínia Woolf: “as luzes não eram as nossas luzes e as vozes eram de estranhos” (citada por David Bradshaw, ibidem).
A figura dos pais, mortos, é uma obsessão de que procura libertar-se, conseguindo-o só quando acaba de escrever Rumo ao farol, como ela própria confessa no Diário, em 28 de Março de 1928, dia em que o pai -se fosse vivo- faria 96 anos:
"A vida dele teria dado cabo da minha. O que teria acontecido? Nem um livro, nem uma linha escrita, nenhum livro; -inconcebível. Pensava nele & na mãe todos os dias; mas escrever The Lighthouse, arrumou-os no meu espírito. Às vezes ele volta, mas de modo diferente. (Acredito nisto porque é verdade -eu estava obcecada pelos dois, de modo pouco saudável; & escrever sobre eles foi um acto necessário)."

A imagem da mãe persegue-a. É a beleza e a delicadeza que admirava nela, mas também a consciência dos seus limites e defeitos: espírito convencional, anti-feminista, o seu dúbio conceito da caridade chocavam-na. Havia, ainda, a possessividade dessa mãe omnipresente, a enorme vontade de dominar os outros.

Em "Moments of being", publicado depois da sua morte, diz:

"É perfeitamente verdade que ela [a mãe] me obssessionou até aos quarenta e quatro anos, apesar de ter morrido quando tinha só treze. (...) Suponho que o que fiz por mim própria foi o que os psicoanalistas fazem com os seus pacientes".

A escrita de Rumo ao farol liberta-a, pois, como tantas vezes acontece, da recordação obsessessiva dos pais (representados nas personagens do romance, Mrs. e Mr. Ramsay), é uma espécie de catarsis -que a alivia.
Rumo ao farol é um livro da passagem do tempo, da impossibildade do regresso atrás, e, ao mesmo tempo, da expectativa -simbolizada pela "ida ao farol".

Todas as tensões que a novela explora entre o real e o fantomático ( a palavra "ghosts" encontra-se repetida, ao longo do livro, inúmeras vezes), mulher e marido, separação e conexão, estão representados na própria imagem do farol (apenas "um farol austero e distante", como o vê Mrs. Ramsay no início do livro, ou como o vê James -o filho, em criança- que o recorda.
"(...) uma torre prateada, envolta no nevoeiro com um olho amarelo que se abre de repente, suavemente, na noite" que, como refere D. Bradshaw, pode ser interpretado, "metaforicamente, como uma estrutura profundamente romantizada e ilusória apoiando a crítica de Virginia Woolf à era do pré-Guerra em geral".
No entanto, anos mais tarde, James vê nele, apenas, "uma torre estreita e alta às riscas brancas e pretas".
Virginia Woolf considera que as escritoras que a precederam, não podendo ir muito longe na sua procura -pelo condicionalismo do tempo em que viveram-, lhe abriram, no entanto, caminhos:
"(...) Jane Austen, George Elliot, nomes ilustres, e outars, mais numerosas mas menos célebres, ou esquecidas, nivelaram o caminho e regularam o meu passo."



Para terminar, quero lembrar que todas estas suas reflexões sobre a "arte literária", tema de grandes discussões do Grupo de Bloomsbury, que se reunia na casa dela e dos irmãos (que iam da liberdade de criação ao prazer da leitura, baseando-se em obras-primas de Conrad, Defoe, Dostoievski, Jane Austen, Joyce, Montaigne, Tolstoi, Tchekhov, Sterne, entre outros clássicos), foram reunidos em dois volumes publicados pela Hogarth Press em 1925 e 1932 sob o título de The Common Reader: o leitor comum.
"O Leitor Comum" é, pois, uma homenagem explícita da autora àquele que, livre de qualquer tipo de obrigação, lê para seu próprio prazer pessoal...

Ilustrações:1. retrato de Virginia Woolf, jovem
2. capa da tradução portuguesa de "To the lighthouse", (Rumo ao farol), ed. Relógio d'Água (tradução de Mário Cláudio)
3. Virginia Stephen (lado direito) e a mãe (lado esquerdo)
4. Virginia e o pai
5. capas de "Mrs. Dalloway" e "Orlando" das edições Miniatura (obras que foram, hoje reeditadas pela Relógio d'Água)
6. capa da edição inglesa da Oxford University Press (a edição a que me refiro é a de 2008): pormenor de uma pintura de Dame Laura Knight (On the edge of the Cliff)
7. A aldeia de St Ives, nos dias de hoje
8. figuras do grupo de Bloomsbury

3 comentários:

  1. Olá.

    Agradeço as informações contidas aqui sobre Virgínia Woolf. Peço a você que faça uma correção
    na data de nascimento, de 1822 para 1882. Abraços.

    Nilo dos Anjos
    niloanjos@yahoo.com.br

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  2. Obrigada! Fico contente por ter apreciado o meu "post"e gostar desta escritora! E vou já corrigir a data...
    Acontecem sempre destas coisas.~
    Abraço M.J

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  3. Vim aqui ler (há pouco não tive tempo de ler tudo) e gostei muito!

    Um beijinho :)

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