terça-feira, 27 de outubro de 2009

Um comentário sobre o meu post de 26 de Outubro: "O meu pai dizia": Conto de Natal









Manuel Poppe deixou um comentário na minha mensagem de dia 26 de Outubro intitulada O meu pai dizia..."Um Conto da Natal":


" As razões que levaram Felicano Falcão a deixar a meio as suas memórias? No livro citado na evocação que acompanha o belo conto de F.F., no livrinho intitulado "Feliciano Falcão, Memória Viva", publiquei um breve texto, "Lancelote e o Nevoeiro", em que, a dada altura, explico: "os 'camaradas' subestimaram-no e calaram-no: viu condenada e recusada a colaboração na saudosa 'Rabeca', onde deixou magníficas páginas autobiográficas, intituladas 'Evocação das Raízes'. E silenciaram-no por as considerarem demasiado egotistas, pequeno-burgueses..."

(F. F. era filiado no PCP.)

Tem razão o Manuel Poppe, que o conheceu bem...
O meu pai sofreu por não poder deixar o seu testemunho escrito, o seu livro que tanto o "assustava" escrever: "como se faz?", perguntava, com humildade.
Depois dessa crítica aos seus escritos "individualistas", e não tendo aquele estímulo de ir sempre publicando n' A Rabeca, "calou-se" e não escreveu mais nada...

Foi pena, porque a sua humanidade teria ainda muito para contar. Da sua experiência de médico em Alegrete e Castelo de Vide e de tantas outras coisas, memórias da sua infância, da sua adolescência, da sua aprendizagem de vida...
Vem a minha casa ajudar-me, mais à maneira de amiga do que outra coisa, uma das irmãs da célebre Florinda Solano que aparece em tantas das minhas histórias sobre a casa amarela: a Adélia.






A família das irmãs Solano era de Alegrete. Conheceram muito bem o meu pai e a Adélia ainda fala das histórias passadas nesse tempo, quando meu pai era "médico e curandeiro por terras medievais" (assim se intitula um artigo dele, publicado na República de 27/11/1945). Diz ela:

"Toda a gente gostava do seu paizinho, ele era amigo dos pobres e não fazia diferenças; para ele éramos todos iguais, atendia todos da mesma maneira..."





Sobre a admiração de meu pai por Régio, e da amizade indefectível dos dois, ao longo de 25 anos feitos de conversas, discussões, convergências em situações políticas graves e outras pequenas e grandes coisas, haveria muito que contar. Deixo apenas um apontamento, excerto de carta a um amigo, escrita depois da morte de José Régio:

“Eu não sou literato mas sempre lhe digo: a nossa literatura já realizada (não falo da jovem que vai em progressão para o definitivo e com a qual em muito me identifico) não vejo quem o iguale.

Fica-se nela na maior parte nem num humoralismo, num instintivismo e num esteticismo que parcializa e paralisa a vida. Distantes, sem o compromisso com o cerne...

A síntese, a síntese vital, onde cabem todos os gritos, só José Régio no-la deu com a sua tónica de claridade e de sombras que vai do subterrâneo ao humano –no nocturno e no diurno- e ao cósmico e ao místico. Nesta síntese, conforme as tipologias, emergimos e, desta catarse, fazemo-nos seres livres para a emoção, para a lucidez e para a praxis. É que com José Régio sentimos agudíssima a nossa condição de enjaulados e de alienados. Na jaula estreita entre o nascer e o morrer. Na alienação da nossa mente –com o cérebro, um órgão maravilhoso- de funções embotadas por enleio intrínseco e extrínseco que faz de nós subgente, cega e surda ao canto trágico da nossa finitude” (1).

1. vista de Portalegre, no nevoeiro (site da Câmara Municipal)
2. capa do livro "Feliciano Falcão, Memória Viva"
3. o meu pai, a minha mãe e nós, as mais velhas, de férias em Sesimbra, já nos tempos de Alegrete
4. o meu pai, José Régio, David Mourão-Ferreira, e o Prof. Adelinos Santos, na Quinta da Vista Alegre, Serra de S. Mamede
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(1) Esta carta era destinada a Fernando Martinho e nunca seguiu. Foi mais tarde publicada na Vida Mundial nº 1633 em 25 de Setembro de 1970. Vem transcrita neste livro "Memória Viva" (Câmara Municipal de Portalegre, Edições Colibri, 2003)

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