sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Morreu Jerome David Salinger, o criador de Holden Caufield e de Seymour...


Há um ano –mais dia menos dia- sei que era em Janeiro, li no El Pays um artigo sobre Salinger. Fazia 90 anos.
Falava do " silêncio atroador" de Salinger.
Porque o silêncio a que se remetera era infinitamente mais barulhento do que o “falar” quase quotidiano de tantos outros escritores... Que falam, sim, mas o falar deles é como se fosse silêncio porque não pouco ou nada acrescentam à vida.
O mais íntimo dos escritores contemporâneos é um autor escondido que, no entanto, gera uma indústria popularíssima de fanáticos, críticos e comentadores, a Indústria Salinger, como uma vez referiu George Steiner.”

Não sei se havia essa tal indústria Salinger, sei que foi um autor importante para mim. Há muito de subjectivo em todas as escolhas, claro. Questão de sensibilidade, de momento, de "mood"...

Salinger foi um escritor “mítico” para muitas gerações de jovens, e menos jovens, desde a publicação, em 1951, de Catcher in the Rye.
Li-o na primeira edição portuguesa, de "Livros do Brasil". Intitulava-se “Uma agulha em palheiro” e foi traduzido por Jorge de Sena (a quem se deve, além da sua obra de poeta e romancista, uma Literatura Inglesa).

Achei o livro fantástico, uma descoberta que fui continuando, mais tarde, com a leitura de outros livros dele.

Continuava o artigo:
Em tempos de mania publicitária e exibicionista, J.D. salinger eludiu combativamente a intrusão espectacular de jornais e televisões. Pôs processos a biógrafos. Sofreu indiscrições autobiográficas de mulheres que viveram próximo dele.” Salinger nasce em N.Y, em 1919, filho de pai judeu americano e de mãe de ascendência irlandeso-escocesa. Não foi grande aluno e acabou os estudos numa Academia Militar, na Pensilvânia. Completou a formação cultural, depois, na Europa: Paris, Viena, Londres e Varsóvia.

Voltou aos USA e esteve 9 semanas numa Universidade, escrevendo críticas de cinema para a revista da Universidade.
Ofereceu-se como voluntário na II Guerra, trabalhou na contra espionagem inglesa, foi um dos soldados que desembarcaram na Normandia em Junho de 1944. Em França perseguiu agentes da gestapo e colaboracionistas franceses.

Antes de partir para a Guerra, vendera à revista “The New Yorker” um conjunto que só seria publicado mais tarde, em 1964.

O primeiro conto a ter sucesso (publicado na New Yorker) foi “Dia perfeito para um peixe-banana” (publicado em português no livro “Nove contos”, da editora Bertrand, numa tradução muito boa de Vasco Pulido Valente e Sttau Monteiro.

O seu herói é Seymour Glass.
Autobiográfico? A verdade é que Seymour é um veterano de guerra como Salinger. Sofre de depressão. O final é imprevisível.

De facto, a alegria de que Salinger falara e de que escrevera depois da vitória, transformara-se em tristeza. Chegaram tempos difíceis. A guerra fria, a opressão silenciosa, as perseguições “Maccartistas” a tudo e todos os que se aproximavas de “esquerda”: intelectuais, escritores, cineastas, organizações.

Salinger foi-se afastando da vida em sociedade. Não quis participar nas apresentações dos seus livros, nem fez conferências, nem participou em congressos universitários...
Afastou-se sem permitir que “invadissem a sua vida privada”...
Pergunto agora. Será que essa reclusão lhe trouxe a possibilidade de escrever mais? Quem me dera! Fico à espera.
Como tantos outros “fans”de Salinger e do jovem Holden Caufield, personagem inesquecível.

O adolescente Caufield cuja fuga do colégio e os momentos de vida que se seguem, a sua rocura de “não crescer para não cair na corrupção {dos sentimentos} e na insensibilidade das pessoas crescidas”.

Para quem crescer, amadurecer, era sinónimo de “crescer com dor” na tentativa de não perder a inocência, a pureza da infância e dos seus ideais e sonhos.

A última obra dele que se conhece foi “Hapworth, 16, 1924”, saída em 1965.

Não li o livro, mas sei que se trata do seu personagem principal, Seymour, à roda do qual tudo girou sempre. A carta que escreve aos pais num campo de férias, em Hampworth.

É-lhe penoso não estar em casa e sofre com a obrigação de ter de aprender a ser grande.
Gostava de saber o que diria Seymour se o autor lhe desse (será que deu? mistério...) a palavra, agora, depois de grande...
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Algumas obras traduzidas:

"À Espera no Centeio" (no Brasil: "O Apanhador"), nova tradução de Catcher in the Rye (Ed. Difel);
“Carpinteiros levantem alto o pau de fileira e Seymour- Introdução”(Raise High the Roof Beam, Carpenters and Seymour, An Introduction” (tradução de B. Mendes, Livraria Bertrand, s/d).
"Franny e Zoey" (ed. Bertrand)
“Nove Contos” (tradução de Vasco Pulido Valente e Luís Sttau Monteiro), Livraria Bertrand.
Este livro, Nove contos, tem, como epígrafe:

Todos conhecem o som de duas mãos que aplaudem.
Mas qual será o som de uma só mão que aplaude?”
São histórias de solidão, da dificuldade de viver, do absurdo. da banalidade dos dias. Cheias de humor trágico e de sofrimento.

Escolho alguns títulos, entre os meus preferidos...

*Dia perfeito para o peixe-banana;
*Pouco antes da guerra com os esquimós;
*Para a Esmé, com amor e sordidez ;
*Neste conto, o narrador encontra um caderno:
Escritas a tinta, numa letra miúda e desesperadamente sincera, estavam as palavras “Meu Deus, a vida é um inferno”.
Nada que conduzisse a estas palavras ou que lhes desse seguimento. Sós, sobre a página no silêncio do quarto, as palavras pareciam ter a estatura de uma acusação incontestável.”

Então, X, o narrador, escreve por baixo a lápis:
Pais e professores, ponho-me a pensar “o que é o inferno?” e sustento que o inferno é o sofrimento de ser incapaz de amar”;

*Linda boca e verdes os meus olhos;
*Teddy (história de uma dureza e secura terríveis);
*Ao fundo do jardim, junto ao barco.
(A jovem Boo Boo Tannenbaum, nome da heroína de “Carpinteiros” e de “Seymour” –a única irmã da família Glass- conta a uma amiga as fugas do filho:
Tem fugido de casa desde os dois anos, mas nunca para muito longe. O mais longe que foi –pelo menos na cidade-, foi até ao Mall, em Central Park. Sempre são dois quarteirões. A mais curta acabou à porta do edifício da nossa casa. Ficou à espera para se despedir do pai.”
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NOTA: Para quem possa estar interessado neste autor: escrevi neste blog outros dois "postrs" sobre Salinger, nos dias 18 de Abril e 5 de Maio do ano passado...

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