terça-feira, 8 de junho de 2010

Antero de Quental, o Sonho: três sonetos do grande Poeta

Antero de Quental, quadro de Columbano




O Palácio da Ventura



Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!


Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!


Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!



Abrem-se as portas d'ouro com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!


(talvez uma das únicas poesias que "decorei" , além de sonetos Camões... E ainda hoje a sei de cor...)


Nirvana


Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;


Poder viver em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos;
Indiferente ao bem e às falsidades,
Confundindo chacais e passarinhos;


Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
A vida olhar como através de um sonho;


Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro - é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!


Na mão de Deus


Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.


Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despôjo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.


Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,


Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!


Antero de Quental, in Sonetos

 Antero de Quental, escritor e poeta, nasce em Ponta Delgada em 18 de Abril de 1842 morre também em Ponta Delgada em 11 de Setembro de 1891. Teve um papel muito importante no movimento da Geração de 70.
A Geração de 70, ou Geração de Coimbra, foi um movimento académico de Coimbra que veio revolucionar várias dimensões da cultura portuguesa, da política à literatura, onde a renovação se manifestou com a introdução do realismo.
“Num ambiente boémio, na cidade universitária de Coimbra, Antero de Quental, Eça de Queiroz e Oliveira Martins, entre outros jovens intelectuais, reuniam-se para trocar ideias, livros e formas para a renovação da vida política e cultural portuguesa, que estava a viver uma autêntica revolução com os novos meios de transportes ferroviários, que traziam todos os dias novidades do centro da Europa, influenciando esta geração para as novas ideologias. Foi o início da Geração de 70.”
(in Wikipedia)

A ilustração no topo da página (Antero de Quental) é um óleo sobre tela - retrato da autoria do pintor português Columbano Bordalo Pinheiro. 



Pintado em 1889, mede 73 cm de altura e 53 cm de largura. A pintura pertence ao Museu do Chiado de Lisboa.

O Museu do Chiado fica situado no centro histórico de Lisboa, o Museu do Chiado – Museu Nacional de Arte Contemporânea, fundado em 1911como Museu Nacional de Arte Contemporânea, foi inteiramente reconstruído em 1994, sob projecto do arquitecto francês Jean-Michel Willmotte.




À esquerda, Museu do Chiado, Lisboa; à direita, museu de Amesterdão, ambos obra de Jean-Michel Wilmotte


A seguir ao incêndio da Baixa de Lisboa que destruíu grande parte do bairro do Chiado, o arquitecto francês Jean-Michel Wilmotte foi encarregado da reconstrução e da restauração du Museu do Chiado e do seu arranjo interior, num velho edifício do século XVIII, na Rua Serpa Pinto.

8 comentários:

  1. Eu também sei de memória "O Palácio da Ventura",o que não sabia era que me ia emocionar,passados "mil" anos.Obrigada por me ter parado o tempo ,para voltar a essa ilha,tão distante e tão perdida, onde tudo ainda era possível.

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  2. Boa noite

    É um soneto bem indicador da desilusão de Antero.Todos fomos obrigados a decorá-lo.
    Sempre me seduziu a poesia dele pela parede metafísica que conseguiu colocar entre si e o mundo.
    Era devorado nos 15,16 anos.Tinha um distinto professor de Português a propor permanentemente interpretações livres e diferentes.
    Saudações cordiais,
    mário

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  3. É bom saber que houve alguém que re-leu aqui Antero e gostou...
    Abraço
    o falcão

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  4. Sim,houve alguém,que se chama Maria.(Quero que me reconheça,existir para você).Beijinhos

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  5. Obrigada, Maria. venha sempre até cá...Existe para mim, sim, já como amiga, "conhecida" mas voluntariamente "desconhecida"ou incógnita...
    Gostava de lhe mandar os meus livros...

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  6. Obrigada,João.Ser "incógnita"diverte-me e dá-me liberdade.Agradeço enormemente a sua compreensão,e que me chame amiga só com o que sabe de mim.Contactar consigo é muito gratificante,temos muitas coisas em comum.
    Vivo em Espanha desde que me casei,há quarenta anos.Beijinhos.

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  7. História de uma amizade que dura desde então, Maria...E nunca os vimos!

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  8. Curioso: encontrei este Soneto aqui no vosso Blogue intitulado Nirvana, mas o mesmo soneto intitulado Nirvana não é este no livro Sonetos de Antero Quental, editado pela Estante Editora, em maio de 1989. Sabem dizer-me qual é na verdade o soneto acima citado. Obrigada

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