sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Marcel Proust, a super-sensibilidade e as Artes

retrato de Marcel Proust, pintado por Jacques-Émile Blanche
Columbano, Convite à Valsa


Marcel Proust e o seu tempo...

Quadro do pintor italiano Boldini que viveu em Paris

Penso seja interessante dar um pouco do que era o espírito do tempo de Proust, e para issso nada melhor que recorrer ao maravilhoso catálogo (entre outras coisas, evidentemente) de que me vou aproveitar.

Apoio-me, pois, no que diz Jean Yves Tadié na óptima introdução ao catálogo, publicado por altura da Exposição “Marcel Proust, l’écriture et les arts”, nas imagens e nas legendas e pequenas explicações das mesmas.

Esta Exposição – a maior exposição alguma vez consagrada a um escritor em França- foi organizada pela Biblioteca Nacional de França em colaboração com o Musée d’Orsay, realizada de 9 de Novembro de 1999 a 6 de Fevereiro de 2000.

Nela estão presentes os interesses de Proust pelas diversas artes. Escritor culto, interessado por tudo, desde a literatura mundial à pintura foi grande apreciador dos pintores italianos, Carpaccio e Tiziano, por exemplo, ou do flamengo Johannes Vermeer e do Impressionismo francês: Manet, Édouard Vuillard, Gustave Caillebotte, e outros como Valonton e Moreau.

Revelou grande preferência pelo pintor Claude Monet e pela sua série das Nymphéas , lembrando por vezes nas suas descrições de flores dos lagos as cores e os pormenores das pinturas de nenúfares de Monet, que vemos abaixo...

duas pinturas de Édouard Vuillard, "interiores"

Paris, no tempo de Proust e dos grands Boulevards

Camille Pissarro, Boulevard des Capucines

Gustave Caillebotte, rues de Paris

Caillebotte, "le balcon" Gustave Caillebotte, boulevard

Os teatros, os concertos, os bailes, os "ballets"...

Grande apreciador de todas as Artes, Proust frequentou todos os espectáculos: os bailados russos, com o mítico bailarino Nijinsky, a ópera, o teatro com a grande Sarah Bernardt, a música de Debussy, de César Franck e de Beethoven. o bailarino russo, Nijinsky, e ballets em Paris (in Catálogo citado)

Adorava Balzac mas conhecia Dostoievsky, Tolstoi. Era conhecedor e amante da música de Debussy, de César Franck e de Beethoven.

retrato do compositor César Franck retrato do compositor Claude Débussy
Parte da sua obra apresenta um grande quadro da sociedade, uma crónica dos tempos.
pintura intitulada "concerto" de Jacques-Émile Blanche



Proust e a “hiperestesia”

Segundo os seus médicos, Proust sofre acima de tudo de hiperestesia, quer isto dizer uma “super-sensibilidade”, que o faz “apreender o mundo exterior de maneira excessiva, do mesmo modo que se apercebe com demasiada intensidade –até à angústia- do murmúrio incessante da sua vida biológica”.

Sente e “sente-se” com uma acuidade excepcionais. Quase anormais.

De facto, a doença é, para Proust, motivo de reflexão aprofundada, algo entre o corpo e o espírito.
Lembro um verso de Régio sobre ele próprio, outro "sensitivo": "menino, doente de inf'licidade"...
"A noção mesma do tempo perdido e reencontrado parece nascer", diz ele, “dessa noção do tempo incorporado (...) que eu queria acentuar.”

“(...) é na doença que nos apercebemos de que não vivemos sós, mas encadeados a um ser de um reino diferente cujos abismos nos separam, que nos não conhece e do qual somos incapazes de nos fazer compreender: o nosso corpo.”

(Marcel Proust, citação tirada do Catálogo “Marcel Proust, l’écriture et les arts » p. 105)
Proust escreve, reescreve, insatisfeito, numa procura de absoluto talvez. Da forma absoluta mais perto do que queria comunicar. Incessantemente, cola bocadinhos de papel com emendas, volta a escrever, a cortar, a colar.
Curioso é conhecer os ambientes de Proust, a época em que viveu, a pintura de que gostou, outra coisa é “reduzir” o escritor ou “condicionar” o conhecimento da sua obra “apenas” por esses dados sobre a vida...

Proust insistia sempre na sua crítica a essa forma de crítica
"selon laquelle l’oeuvre d’un écrivain serait avant tout le reflet de sa vie et pourrait s’expliquer par elle".
No entanto é importante saber que ele amava certos pintores mais do que outros...


Os pintores que Proust amava


Vittore Carpaccio, pintor veneziano (1465-1525/1526), pormenores de pinturas


Tiziano, pintor veneziano (Pieve di Cadore cerca de 1473/1490 - Veneza 1576), Vénus de Urbino


o pintor holandês Joohannes Vermeer (Delft 1632 - 1675), "a carta"

Penso que muito da sua sensibilidade "aguçada", fina, se encontra nestes pintores...

De facto, quanto mais uma sensibilidade criadora é rica e complexa, tanto menos será reductível aos dados e aspectos visíveis de uma biografia neste caso de facto, "redutora".


Em Portugal, descobriu-o cedo a “presença”. De facto, no número 5 da revista, de 4 de Junho de 1927, José Régio escreve um artigo intitulado “Marcel Proust”.




Pena que tão pouco se fale de José Régio e dos outros fundadores da revista, Gaspar Simões, Branquinho da Fonseca, desse movimento fantástico, de "janelas abertas para o mundo" que foi a "presença", onde se fala pela primeira vez de literatura psicologista, de psicanálise, do inconsciente.

Onde se "revela" -e se leva a sério- o movimento do "Orpheu" -até aí ridicularizado e vilipendiado.

Onde se abrem as portas à poesia de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos é, cedo, um dos colaboradores da "presença"), Mário de Sá Carneiro, António Botto, Afonso Duarte, João Falco (Irene Lisboa).

No nº 3 da presença "colaboram", na mesma página, Fernado Pessoa, Ricardo Reis e Álvaro de Campos!

À literatura francesa, Flaubert, Gide, Proust, ou russa; ao teatro de Ibsen ( a quem dedicam um número, no seu centenário), à pintura moderna de Cézanne a Vlaminck Dufy, Van Dongen...

(Desculpem o àparte...)

É muito inteligente, verdadeiro e claro o que Régio escreve. Como ele sempre é...

Começa assim:

“Sensibilidade infinitamente delicada e receptiva; inteligência talvez mais subtil que profunda, em todo o caso subtil e profunda; imaginação transfiguradora e vasta –Marcel Proust parte “à la recherche du temps perdu”.

Do seu tempo perdido aproveita ele uma das obras mais originais do nosso tempo, e simultaneamente mais representativas dele, mais ligadas ao passado e mais prolongadas para o futuro.”

E, com efeito, a ambição do narrador proustiano é, em essência, recuperar a totalidade de sua experiência vivida por meio da arte. Tanto é verdade que o autor termina o livro exactamente no momento em que a personagem Marcel inicia o seu próprio livro.

Quando o cheiro de um bolo ou de um perfume de aubépines, “o importante, para o autor que rememora, não é o que ele viveu, mas o tecido de sua rememoração.”

Ao descrever a imaginária Combray (na realidade, o Illiers da sua infância) segundo Tadié faz-nos lembrar certos quadros de Monet da série das “Nymphéas


.Monet, Nymphéas

Aqui e ali, à superfície, corava, vermelha como um morango, uma flor de nenúfar de coração escarlate, e à roda branco. Mais longe, as flores mais numerosas eram mais pálidas, menos aveludadas, mais carnosas, mais plissadas e dispostas ao acaso em reviravoltas, deixando-se flutuar à deriva como o desfolhar melancólico de uma festa galante guirlandas de rosas suaves.” (in "À la Recherche du temps perdu")

A terminar o seu belo artigo, escreve Régio:

Na sua obra estão "algumas das páginas mais seguras e mais vibráteis, mais profundas e mais subtis, mais poderosas e mais delicadas, de todo o romance francês."

O que dizer mais do que ele disse?
Proust é só a recordação de um momento do passado? Muito mais, sem dúvida. Sim, coisas do passado, comuns ao presente, claro mas que são mais importantes do que os dois, acho: a própria essência da vida...

2 comentários:

  1. interessante como sempre;) beijo marty

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  2. Tenho os sete volumes de Em busca do Tempo Perdido na minha lista de livros a ler (só li algumas páginas do primeiro e do sétimo).

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