domingo, 23 de março de 2014

E elas continuam a girar, a girar... "They Dance Alone" - Sting






E elas continuam a rodar...

Quem não recorda as mães da Plaza de Mayo, em Buenos Aires? Vinham, durante os anos da ditadura militar, todas as quintas-feiras, dançar de roda, em frente da Casa Rosada



Com uns lenços brancos na cabeça a simbolizar os filhos desaparecidos, a pureza dos ideais, a brancura das roupas das crianças.

Leio um artigo de Florence Noiville, enviada especial do Le Monde a Buenos Aires (21 de Março de 2014).

Tudo vem a propósito de o Salão do Livro de Paris ser, neste ano, dedicado a um país, a Argentina. E da recordação do inferno que ali se viveu.

As "mães de Mayo"continuam a girar sozinhas, numa dança sem fim, sem paz, de roda, de roda. Girando no sentido contrário dos ponteiros do relógio, como se quisessem fazer voltar o tempo para trás...
no passado

hoje...

O tempo passou, elas envelheceram mas continuam. 
É impossível fazer voltar o tempo para trás? É impossível conhecer finalmente o que se passou? Saber qual foi o fim dos “desaparecidos” de 1976 a 1983 (30.000)?

A Junta Militar, na Argentina

Sim, temos a democracia mas é ainda tão jovem...”, diz o secretário de estado da Cultura a Florence Noiville.

E um motorista de táxi desabafa: “Democracia, sim, no entanto elas continuam a dançar...”

imagens do Golpe de 1976

Apesar da ditadura militar ter acabado em 1983, o protesto ainda não acabou. 

E elas continuam a rodar...


Porque, nestes anos, pouco se fez e pouco se soube do destinos desses filhos raptados, ou presos, torturados e desaparecidos para sempre.

É surpreendente ver como a ditadura pesa ainda sobre a nossa vida quotidiana”, lamenta a jovem tradutora Eugenia Perez Alzueta, entrevistada. 

E mostra um recorte do jornal La Nación, com o título: “ A neta 110 reapareceu”... 

Porque ainda agora se procuram os filhos dos assassinados! Os testes ADN permitem identificar os pais. Essa menina, a "neta 110", quase com 30 anos, era filha de uma jovem de 19 anos que, em 26 de Agosto de 1976, desapareceu, para sempre, com o namorado. Estava grávida de 5 ou 6 meses.

Todos os dias a ditadura “volta” à memória dolorosa. A lembrança de jovens, rapazes e raparigas que lutavam contra um sistema mortífero, de desigualdade e de terror, nunca mais foram vistos. Há milhares de fotografias afixadas, a lembrá-los.




Há os campos de tortura e morte, como "Olimpo", situado num bairro da classe média argentina, onde de 1976 a 1979 foram torturadas e mortas cerca de 700 pessoas (sobreviveram 50) e que foi construído pelos próprios presos-escravos que erguiam o próprio túmulo...
livro de Pilar Calveiro sobre os desaparecidos

Eram torturados e mortos, eles e elas...

Pilar Calveiro, foi presa e torturada


"Para onde nos levam?", perguntávamos - conta um sobrevivente. E a resposta era:  “Vão para a névoa de parte nenhuma.” 

Há os "voos da morte" que partiam  do aero-parque de Buenos Aires e os corpos eram lançados do alto dos céus sobre a costa  da baía de Buenos Aires.


Um Fokker F28 utilizado para esses voos

Era frequente que as jovens mulheres grávidas, fossem levadas para locais distantes, mantidas em vida uns tempos, e, depois do parto, assassinadas.

As crianças eram confiadas pelos militares “a famílias sãs e não susceptíveis de serem contaminadas pelas ideias subversivas" dos pais biológicos mortos.


O poeta argentino Juan Gelman (nascido em 3 de Maio de 1930, em Buenos Aires), Prémio Cervantes 2007 – que o  Salão do Livro pretende homenagear este ano- morreu em 14 de Janeiro passado, no México onde se exilara. 

Durante mais de 23 anos procurara, em vão, a criança nascida da sua nora, Claudia, de 19 anos e do filho, Marcelo, de 20. Este fora logo morto, e enterrado num bloco de cimento, no início do Golpe Militar. 

A nora, María Claudia García, foram “levada” para o Uruguay, no quadro da operação Condor (o programa de “repressão sem fronteiras”), organizada por Pinochet, no Chile, abarcando os países dos ditadores da América do Sul do tempo: Bolívia, Paraguay etc. 

Claudia foi sequestrada em Buenos Aires, grávida, e levada para o Uruguay. A criança nasceu em território uruguaio. Quando a encontra, 23 anos mais tarde, ela tem já 20 anos. Fora adoptada por uma família de Montevideo...



Do poeta Juan Gelman, conto um pouco da sua vida: Filho de emigrantes judeus ucranianos na Argentina perdeu, durante a última ditadura argentina (1976-1983), o filho Marcelo, assassinado, e a nora María Claudia García. Juan Guelman vivia há muitos anos no México, exilado, onde faleceu em Janeiro.


"En el decenio que siguió a la crisis
se notó la declinación del coeficiente de ternura
en todos los países considerados
o sea
tu país
mi país
los países que crecían entre tu alma y mi alma
de repente duraban un instante(...)”


No suplemento do jornal Le Monde des Livres falam - e fala-se- escritores e poetas. 

A dor continua. A procura também. E o sentido para a vida é difícil de reencontrar!

Lembro, porque devemos lembrar! Para que nunca mais possa acontecer!

Lembram-se da bela canção de Sting? Aqui a deixo. Sempre bela, sempre verdadeira...



http://youtu.be/tDEnacuG3nY (versão em espanhol da canção de Sting)



1 comentário:

  1. É terrível o que seres humanos conseguem fazer a outros!

    Às vezes penso que sendo cada um de nós um grãozinho de areia tão insignificante, na história da Terra, alguns têm a sorte de nascer num tempo e num sítio de paz, e conseguem alguma felicidade. Outros nasceram em épocas e sítios de guerras e atrocidades horríveis.

    O que marcará o destino de cada um? ...

    A canção do Sting é bonita.

    Um beijinho grande e uma boa semana :)

    (Hoje andei a mudar a terra às plantas e comprei duas, de interior)

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