segunda-feira, 6 de abril de 2015

Ratinho e os amigos, em tempo de Páscoa e de migrações…



- Acabou a Páscoa, não? Já não há ovos pintados! Nem amêndoas...
Era o Ouricinho com pena de ter acabado a festa. 

De repente, gritou:
- Olha, chegou um visitante à nossa varanda! Anda ver um passarinho negro! Não sabia que havia passarinhos negros!, gritou o Ouricinho, espantadoe cheio de entusiasmo.
De facto, num vaso de buganvílias, um passarinho cor de ébano, tinha-se instalado ao sol.
- Claro que há passarinhos negros!, retorquiu o Ratinho. E de todas as cores. É como os homens…
- Mas este não é uma pessoa! É um pássaro! Achas que veio da África? Terá sido a Gui que o trouxe?
- Não... Há que tempos que a Gui não está lá!
- Ah! Que estranho!
O Ouricinho não deixava de olhar lá para fora. E chamou-o:
- Entra, passarinho! Anda!

O passarinho não se fez rogado e veio-se aproximando, de vaso em vaso. Espreitou e entrou. Foi até à lareira ver os outros passarinhos e ficou a ver a sala. Não falou, não piou, nada.

- Não sabe falar?, perguntou o Ouricinho. Se calhar só canta…
Não se aproximava dele mas perguntou:
- Cantas, passarinho preto?
O Ratinho olhava-nos de longe, sem intervir, mas estava cheio de curiosidade. O passarinho não cantou.
- Deve estar triste, desamparado, assim tão longe da sua terra, não achas?
E o Ouricinho e o seu bom coração suspiravam. E continuou:
- Deixar tudo e partir! E as saudades do céu de lá, dos outros pássaros amigos, parecidos com ele. 
- De lá, donde? Qual céu?
Era a Gatinha japonesa.
pássaros migrantes (foto de Marisa Volonterio)

- Da África ou do Japão? Não sabemos...
- Pois é. Não sabemos. Faz-me pena de verdade ver as migrações de pássaros!
- E a das pessoas… 
O Ratinho viera devagarinho e sentara-se a olhar para o pássaro.
- Que lindo bico tem! E as penas tão sedosas! Não achas, Gatinha ?
- É lindo o passarinho negro! Terá saudades terá. O que pensará de nós?
A Gatinha pouco falava, mas filosofava muito. O Ouricinho continuava a reflectir e a dizer tudo o que lhe passava pela cabeça:

- Sim, porque quando és diferente dos outros, os outros podem não gostar de ti. Acontece tantas vezes por aí.
- Ó Ouricinho, mas há outros passarinhos negros: as andorinhas, os melros, os corvos.
Intervim, porque sentia que estavam a dramatizar a situação do passarinho que afinal estava ali, plácido e sereno, a ver-nos e a ouvir-nos. Sim, de facto, o que pensaria ele? 
"Tem o biquinho aberto. Irá cantar?"

- Sim. E o Ratinho interrompeu-me o pensamento. Mas as andorinhas voam em bando, estão acompanhadas, e os corvos são uns solitários convictos, dizem os livros. Imagino-os sempre como o corvo do Poe a saltitar e a dizer “nevermore”… 
- E os melros?
- Ah! os melros têm relva e conversa! A este, temos que lhe dar tempo para se adaptar a nós…
O Ratinho poeta já estava na maior, em acção: a explicar a vida, como ele gostava. A decidir tudo? Não. A observar e a pensar na solução melhor. O Ratinho é muito equilibrado. Pensa muitos nos outros, apesar de também gostar de pensar em si.
- Por andará a mãe dele?
Era o Ouricinho, já com a lágrima no olho.
- Nada de tragédias! Já é crescido e veio a voar por si. Não precisa da mãe!
Eu sorria e deixava-os na conversa.
- Será que ele entende a nossa língua? Lembras-te daquele filme com o menino negro, que veio de África e ia à procura da mãe que já estava na Suécia? Belo filme sobre as migrações!
“Um belo filme”, pensei. Inesquecível. Do finlandês Aki Kaurismaki. O passarinho passava os olhitos de uns para os outros. Fixou-se a olhar no pássaro de vidro amarelo que me ofereceu um dia o Agostinho.

- Viram? Gosta do pássaro do Agostinho! O Ouricinho estava contente.
O Ratinho virou-se para mim de repente, a ver como eu reagia, pois sabia quanto era amiga do Agostinho. E ele morreu só há poucos meses. Sorri para ele:
- É bom que seja amigo do pássaro amarelo que também tem uma cor diferente. E que é tão tímido. Não acham?
Ficaram aliviados. Agora, era tratar do pássaro negro! Quereria ficar connosco? Ou preferirá partir outra vez?
- Acham que vai ficar connosco?
O Ratinho franziu as sobrancelhas, puxou uma pontinha do bigode e disse muito sério:
- Temos que esperar. Ele é que tem que escolher. Tem as flores lá fora, tem-nos a nós cá dentro, mais a música e o cafézinho da manhã. Mas ele é que sabe o que quer. Não vamos pressioná-lo!
- Eu gostava muito que ele ficasse. Aqui ia ter tantos amigos. E a varanda, com flores novas...Mas não vou pressioná-lo, como tu dizes. 
flores bailarinas (do Japão, Etsuko)

Olhava-me, interrogativo. Penso que não percebia bem o sentido daquele “pressioná-lo”. 
Disse-lhe:
- Sim, não vamos puxar por ele. Forçá-lo a ficar. Deixamo-lo esta noite por aqui, com a janela aberta, e amanhã se verá…
O Ouricinho agarrou-me o braço e disse muito baixinho para ninguém ouvir:
- Não será melhor fechar a janela? O pássaro amarelo vai gostar que ele fique...

flores e passarinhos...

E assim foi. Os dados foram lançados! Estamos todos à espera e na dúvida: ficará, ou não, o passarinho negro? O que lhes parece?

7 comentários:

  1. De passagem nos encontramos nas margens

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  2. ~ ~ O conto está admirável e
    a ilustração muito interessante.

    ~ Mais um ''post'' encantador!

    ~ Votos de excelente semana.
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  3. Eu acho que ele vai ficar uns dias com os novos amigos, mas depois regressa à liberdade...

    ...mas há-de voltar sempre para visitar os amigos...

    Adorei a história e as imagens todas!
    A Maria João tem uma bonita colecção de pássaros.

    O filme do Aki Kaurismaki é muito bonito.

    Um beijinho grande:)

    (Fui ver os dois filmes do Rossellini e amanhã devo ir ver o outro. Gostei muito dos de hoje)

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  4. Nós temos no jardim um melro preto de bico amarelo que já faz parte da família, deve ser velhote, já não quer andanças. Não lhe pudeste fazer foto? Os pássaros gostam muito dos humanos, se é velho é capaz de ficar por aí, oxalá. Beijinho grande, vou fazer almoço a correr. Sempre mal de tempo...

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  5. Gostei muito da história e achei graça à colecção de pássaros.
    Vai ficar sim, pois é bem tratado.:))
    O pássaro cor de ébano está numa mola? Que giro!:))
    Não vi o filme que aqui foca. Ao meu jardim vêm melros comer as migalhas que lhes deixo todos os dias. :))
    Beijinho. :))

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  6. Sempre com histórias de encantar...

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  7. Se ficar, o passarinho será muito feliz e terá bons amigos; se partir,
    levará no coração boas recordações!

    A vida é feita de partidas e chegadas!

    Um beijinho.:))

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